UM POUCO DE BIOMECÂNICA



É comum vermos cavaleiros, nas várias modalidades, e com diferentes graus de experiência, buscarem, no trabalho de seus cavalos, posicionar a cabeça de seus cavalos na vertical, com o pescoço arqueado, como se isso fosse um fim a ser buscado, e não a conseqüência de todo um posicionamento das diversas articulações do corpo do cavalo, resultado da contração e tonicidade de alguns músculos e o relaxamento e o alongamento de outros, tanto em estação como em movimento. Para isso, valem-se dos mais diferentes recursos, como embocaduras fortes, mãos rígidas ou os mais diversos enredeamentos especiais. "Meu cavalo está colocado", muitos dizem.

Nada mais falso que buscar a postura de trabalho do cavalo a partir da frente. O cavaleiro que assim procede está apenas imitando a aparência sem desenvolver os seus pré-requisitos. "É como pintar um bolo com tinta marrom para deixá-lo assado", diz o site "Sustainable Dressage", numa analogia muito feliz.

Para entendermos um pouco como isso funciona, precisamos de algumas noções de anatomia, da coluna vertebral e dos músculos do cavalo.


A COLUNA VERTEBRAL

A coluna vertebral do cavalo pode ser dividida em quatro segmentos. O segmento cervical, o segmento dorsal, o segmento lombar e o segmento sacro.

O segmento cervical é composto por sete vértebras, tem um formato de "S" e liga-se à nuca na sua parte superior. Possui grande flexibilidade, tendo facilidade de infletir-se em qualquer direção.

O segmento dorsal possui 18 vértebras, com longas apófises transversais. Possui pequena flexibilidade lateral da D14 até a D18, um pouco mais de liberdade neste sentido da D9 até a D14, e praticamente nada de flexibilidade lateral da D1 até a D8.

O segmento lombar possui 6 vértebras, também com grandes apófises transversais, onde a flexibilidade lateral também é muito limitada.

O segmento sacral possui 5 vértebras soldadas umas nas outras, o que impede a movimentação de uma em relação às outras. Porém, se a conexão da L6 com a S1 possui pouca flexibilidade lateral, esta possui uma grande liberdade de rotação com o conjunto sacro-ilíaco.


Fonte: Twisted Truths of Modern Dressage - a search for a classical alternative
- Philippe Karl


OS MÚSCULOS

De acordo com o Comandante Licart, em seu "Equitação Racional", os músculos possuem três propriedades: a contratibilidade, a elasticidade e a tonicidade. A primeira é a propriedade do músculo de contrair-se, produzindo seu encolhimento. A segunda permite o alongamento do músculo, e a terceira é uma espécie de tensão que existe em estado permanente no tecido muscular. Estas três propriedades podem ser desenvolvidas pela ginástica apropriada. Um músculo liga-se a dois ossos distintos, e, ao contrair-se, tende a aproximar esses dois pontos de inserção, produzindo movimento. Também são responsáveis por dar rigidez à coluna vertebral, permitindo que o movimento das ancas e espáduas possam encontrar a solidez de apoio que permite a eficácia máxima do movimento.

Licart estabelece, também, os conceitos de músculos congêneres e antagônicos. Quando um músculo, ao contrair-se, produz a inflexão do pescoço, por exemplo, é seu congênere alongado o responsável por dar o grau desejado da inflexão, e que, ao contrair-se, vai endireitar ou inverter esta inflexão. É essa ação de músculos opostos que faz a conservação da tensão vertebral e dá precisão aos movimentos. Quando dois músculos congêneres agem simultaneamente (movimentos verticais), são seus antagônicos que desempenham essa função de apoio.

Um músculo pode contrair-se com tanto mais eficiência quanto mais desenvolvida for a elasticidade (capacidade de alongamento) de seu congênere. Assim, durante a fase de endireitamento do cavalo, o mais difícil não é contrair os músculos de seu lado convexo, e sim alongar os músculos do lado côncavo.


RELAÇÃO ENTRE OS PRINCIPAIS MÚSCULOS

Músculos do pescoço (figura 2): podemos dividir os músculos do pescoço em três grupos, de acordo com sua função: os flexores (esplênio e bráquio-cefálicos), os inversores (esterno-cefálicos e, de novo, os bráquio-cefálicos) e os elevadores da base (serrato cervical).


F- flexores I- inversores E- elevadores da base
Fonte: Equitação Racional - Cmte Licart

Músculos do dorso-rim (figura 3): Os flexores do dorso-rim (abdominais) trazem a bacia para a frente e para baixo. Os extensores produzem o movimento inverso. São os ílio-espinhosos, que se inserem na base do pescoço e na bacia.


Fonte: Equitação Racional - Cmte Licart

Os inversores do pescoço são antagônicos dos flexores.Não é uma contradição o fato de os bráquio-cefálicos exercerem as duas funções, visto que não se consegue infletir e inverter o pescoço ao mesmo tempo. Baucher e La Guéreniére preconizavam o uso da inflexão lateral acentuada do pescoço, tanto para a correção do cavalo que inverte seu pescoço quanto para trabalhar a flexibilidade lateral do pescoço, alongando e aumentando a flexibilidade dos flexores.

Os ílio-espinhosos são antagônicos dos abdominais. Os inversores são antagônicos dos elevadores da base do pescoço, e também dos abdominais. Logo, suas ações tendem a oporem-se.

O encurtamento dos inversores do pescoço provoca o alongamento dos elevadores da base (abaixamento da base do pescoço), opondo-se à ação dos abdominais. A elevação da base do pescoço, por outro lado, favorece a ação dos abdominais, e, por conseqüência, o engajamento dos posteriores (o inverso também é verdadeiro, o engajamento dos posteriores causa a elevação da base do pescoço).

O cavalo sem trabalho busca reequilibrar-se após a adição do peso do cavaleiro com a contração dos músculos superiores de seu dorso e a extensão dos músculos abdominais, abaixando a base do pescoço e sobrecarregando ainda mais seus anteriores. É através da extensão do pescoço, com a nuca flexionada e à frente da vertical que conseguimos o reequilíbrio do cavalo, com a elevação da base do pescoço, a contração dos abdominais e a elevação do segmento dorso-lombar, e, consequentemente, um maior engajamento dos posteriores.

Chegamos onde queríamos? Ainda não. Estamos a meio caminho andado. Conseguimos, por enquanto, uma maneira de ensinar o cavalo a engajar os posteriores, elevar a base do pescoço e arquear seu segmento dorso-lombar, ginástica que nos permitirá desenvolver a musculatura que nos levará ao Olimpo, ou seja, a reunião e a auto-sustentação.

Mas o que é reunião? É a transferência do peso para o post-mão, pelo abaixamento das ancas e consequente diminuição da base de apoio, ou seja, seus posteriores aproximam-se dos anteriores. O pescoço, diz o regulamento de adestramento da CBH, "eleva-se sem constrangimento, formando uma curva harmoniosa do garrote à nuca, sendo esta última o ponto mais alto, com o chanfro ligeiramente à frente da vertical". O cavalo, assim, torna-se leve na sua condução, atento às ajudas do cavaleiro, e apto a realizar com mais facilidade o que se exige dele.

Quando o pescoço está, no seu aspecto externo, projetado para frente e arqueado, ele está, na verdade, endireitado, com uma grande diminuição da encurvatura do segmento inferior do "S". Porém, se o pescoço não está projetado para frente, e seu arqueamento é produzido da frente para trás, por efeito de uma mão ou embocadura forte, ou mesmo de enredeamento especial, ocorre uma acentuação das duas curvas do S, o pescoço fica embutido, e, geralmente, a nuca não é mais o ponto mais alto. Não ocorrerá uma contração dos músculos elevadores da base do pescoço e seus inversores estarão tensos, o que dificulta o arqueamento do segmento dorso-lombar e a contração dos músculos abdominais, impedindo, assim, o engajamento dos posteriores. O peso do cavalo é deslocado em direção ao meio das espáduas, jogando seu equilíbrio para a frente.



Tulio Balestreri Nunes
Fevereiro/2010


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