Evolução Técnica das provas do Concurso Completo de Equitação - parte I

Por Carlos da Rocha Torres


NOTA EXPLICATIVA

O presente trabalho visa, fundamentalmente, estabelecer uma comparação, baseada em resultados reais, entre a filosofia que norteava a seleção e trabalho dos animais que competiam no antigo CCE, praticado até início da década de 80, com o CCE praticado atualmente.
Hoje em dia, ao contrário do passado, o Adestramento cresceu enormemente de importância, e todo ginete ou equipe que almejar obter uma classificação que os coloque entre os melhores da competição não pode, em absoluto, prescindir de obter uma pontuação negativa baixa na prova de Adestramento, sem ficar muito afastado, em termos numéricos, dos primeiros colocados.
Não é mais admissível, para quem pretende competir de fato, tanto na prova individual como na de equipes, e não apenas engrossar a Ordem de Entrada, que a diferença entre o melhor e o nosso resultado da prova de Adestramento seja muito elástica. Uma diferença de 30 pontos no Adestramento, por melhor que seja o resultado que o conjunto em tal desvantagem possa obter no Cross Country e no Salto, será fator absolutamente restritivo do êxito ao final da prova do CCE.
Agradeço a preciosa colaboração dos amigos Ariel de Cunto e Juarez Marcon, ambos cavaleiros com marcante atuação e dedicação ao CCE, na compilação dos dados e na consequente melhoria do presente trabalho.
Por oportuno, uma homenagem ao Cel Péricles Cavalcanti, de quem tentei seguir os passos, desde os tempos de aluno do Colégio Militar do Rio de Janeiro, para poder praticar, mais tarde, a mais completa e a mais vibrante Disciplina Equestre, o Concurso Completo de Equitação.
Finalmente um agradecimento muito especial aos animais:
VALENTE, BARBARELA, GUAPO, ÍTRIO, JOTA, BRITANICUS, ÁTILA TAPAYUNA E ÁZIGO pelas alegrias e ensinamentos que me proporcionaram nos trabalhos preparatórios e durante as provas em que concorremos no CCE.

Curitiba, maio de 2008.

Carlos da Rocha Torres
Instrutor de Equitação







Não resta a menor dúvida que as provas do Concurso Completo de Equitação tiveram uma evolução técnica extremamente significativa a partir da década de 80.
Tal evolução foi causada, de modo muito claro, por:
- um aumento de dificuldades na prova de Adestramento (1º dia)
- uma mudança de grande amplitude na montagem dos percursos da Prova do Fundo (2º dia), particularmente a prova de Cross Country
- uma diminuição bastante expressiva dos valores das penalidades na prova de Salto (3º dia)
Na oportunidade em que estive intimamente ligado, como armador de percurso e/ou competidor, a tal Disciplina Eqüestre (1967 / 1982), o referencial da prova era muito diferenciado do atualmente vigente. Naquele tempo, a filosofia da prova era baseada na seguinte condicionante:
Não era comum um cavalo que saísse bem no 1º dia, confirmar tal atuação nos dias subsequentes, principalmente, na prova de fundo.
SEGREDO / Cel. Péricles, INHANDUI / Cap. De Cunto e SOBERBO / Cap.Calvano foram exceções confirmadas a tal condicionante.
Tal realidade era facilmente comprovada por um gráfico e um quadro estatístico publicados em um artigo traduzido na revista CENTAURO, que graças ao trabalho incansável do Cel. Heitor César Pimenta, era o Vade-Mecum lido por todos aqueles que tentavam aprimorar seus dotes de cavaleiro e adquirir mais conhecimentos técnicos ou teóricos sobre a Equitação Ciência.


O gráfico indicava as variações do centro de gravidade do cavalo, conforme sua destinação específica.
Observem que o problema apontado na figura acima, relativo à dificuldade de variação do centro de gravidade de um mesmo cavalo em uma prova de adestramento, salto ou cross country permanece constante até os dias atuais.
Atualmente, porém é muito mais fácil encontrar um cavalo que consiga fazer uniformemente as provas de adestramento, fundo e salto. Mas adiante veremos quais as variáveis responsáveis por tal transformação.
Como era escolhido o cavalo de CCE nos anos 60 / 70? O quadro abaixo prioriza as qualidades buscadas no cavalo de Concurso Completo àquela época.


Era comum dizermos que quanto mais severo fosse o conjunto da prova de fundo, menos valorizado seria o resultado da prova de adestramento.
A qualidade de SALTADOR de 1,20m nos proporcionaria não ser penalizado com muita intensidade na prova de Salto, uma vez que cada derrube era pontuado negativamente com 10 pontos, bem como nos garantiria algum conforto nas fases B (steeple chase) e na fase D (cross country) da Prova de Fundo.
A FRANQUEZA era primordial, em virtude da ampla liberdade dada aos armadores de percurso que constantemente se esmeravam na montagem de verdadeiras arapucas.
A RESISTÊNCIA era a qualidade que permitiria o desenvolvimento pleno da franqueza e da velocidade, uma vez que o cavalo cansado perde muito de tais atributos.
A RUSTICIDADE nos permitia antever que, mesmo batendo forte nos obstáculos fixos do cross ou da steeple, nosso cavalo chegaria em boas condições físicas ao exame veterinário, eliminatório, efetuado antes da prova de salto.
A VELOCIDADE era fundamental para conseguir o máximo de pontos na Prova de Fundo (a então chamada bonificação máxima na STEEPLE-CHASE E NO CROSS), ou não ser penalizado, por excesso de tempo, na Prova de Fundo.
Vamos simplificar: buscávamos um cavalo que saltasse 1,20m, que fosse franco, resistente, rústico e veloz.
Simplificando um pouco mais: Pegávamos um refugo do salto que fosse franco, resistente, rústico e veloz.
Notem que o Adestramento era a última prioridade de tal escala e, praticamente, não era levado em consideração na seleção do animal destinado ao CCE.
Um cavalo que fizesse percursos de 1,30 m era rotulado como "CAVALO DE SALTO" e jamais, fora as exceções de praxe, seria utilizado para fazer uma prova de CCE.
Dos cavalos que conheci fazendo CCE, apenas os cavalos PECADO, BIGUÁ e PIRATA quebraram tal regra:
- PECADO saltava provas fortes com o Cap. Francisco Rabelo e foi emprestado "em cima do laço" ao Cap. Flávio De Marco para participar do Pan-Americano de São Paulo em 1963. Caso a memória não me traia, ficou em 6º e último lugar na prova. BIGUÁ era um excelente saltador tordilho, muito bem adestrado, de propriedade do Maj. HCPimenta que, em 1969, entrou no CBCCE para completar o número mínimo de 03 concorrentes para que a prova pudesse ser realizada. Finalizou o campeonato em 2º lugar. PIRATA era um excepcional cavalo reiuno de salto que chegou ao RAN, pronto, transferido do 4º RC (Santiago RS). Como tinha vários "donos", um deles resolveu entrar no CCI DE RESENDE em 1974. Terminou, em termos de pontuação, longe dos vencedores da prova, embora tenha obtido, por equipe, o título de Campeão Brasileiro.
O outro quadro constante do artigo já mencionado era um levantamento estatístico que comprovava a dificuldade de conciliar o resultado do adestramento com a classificação final da prova.



Vejam como era desalentador o quadro estatístico, apresentado na REVISTA CENTAURO, sobre a importância do adestramento na prova do CCE. O quadro evidenciava, sem a menor dúvida, que algo de errado havia com a escolha do animal destinado ao CCE, bem como ao trabalho, ou falta de trabalho, específico de Adestramento.
O adestramento do cavalo de CCE não deve e não pode ser igual ao adestramento clássico que exige do cavalo uma reunião acentuada, com a conseqüente:
- Elevação da andadura; aumento da impulsão; perda da extensão da andadura (perda da velocidade).
Reunião máxima = máxima elevação = mínima extensão. Exemplo piaffe e passage
Reunião mínima = mínima elevação = máxima extensão. Exemplo trote alongado.
Um cavalo que galope para cima, com o tempo de suspensão nitidamente caracterizado, dificilmente conseguirá fazer um bom tempo na prova de Cross ou na steeple-chase. Para ter velocidade o cavalo necessita galopar rasteiro, rente ao solo, tal como faz o cavalo de corrida.
Devemos exigir do nosso cavalo de CCE o posicionamento correto do pescoço e cabeça (ramener), nitidez na transição das andaduras, correção e imobilidade nos altos, um grau médio de submissão, além da exploração máxima de suas andaduras naturais. Logicamente, em igualdade de condições de trabalho, os animais que tiverem maior brilho nas andaduras serão beneficiados na prova de Adestramento. É bom entender que, mesmo com andaduras muito boas, se o cavalo for invertido (astrônomo), ou encapotado, será fortemente penalizado na prova de Adestramento.
O cavalo destinado ao CCE, necessita obrigatoriamente um grau de iniciativa considerável. Ele não deve, e não pode, ficar totalmente dependente do seu cavaleiro, como nas provas do Adestramento clássico, onde a mínima iniciativa tomada pelo animal é julgada como demérito. No Salto e, principalmente na Prova de Fundo, quando o cavaleiro não conseguir definir com clareza o local da "batida", caberá ao animal, e unicamente a ele, a opção de sair de mais longe ou de mais perto.
A figura abaixo elucida de forma muito clara o problema da REUNIÃO ao TROTE embora suas considerações sejam absolutamente válidas, também, para as andaduras PASSO e GALOPE.



Analisaremos agora dos resultados dos campeonatos brasileiros de CCE, realizados em 1971 (Regimento Andrade Neves) 1972, 1973 e 1974 (Academia Militar das Agulhas Negras, Resende RJ). Juntamente com os CBCCE de 1973 e 1974 foram realizados CCIs que contaram com a presença de uma equipe da Argentina, em 1973, e de concorrentes uruguaios, em 1974.
Para que possamos entender o quadro abaixo com clareza, é bom recordarmos que um número significativo de concorrentes não tinha a mínima chance de concluir a prova com êxito, por falta de condições técnicas ou físicas. Ao recebermos as inscrições para os CBCCE já sabíamos, a priori, quais os reais candidatos ao título, quais os "turistas" e quais os "aventureiros" inscritos. Recordo que no CBCCE de 72 competiu um animal de uma Organização Militar, que foi comprado zero km por uma CCA (Comissão de Compra de Animais), em junho de 1971 na cidade de Quarai - RS. Por melhor que fosse o cavalo, e não era tão bom assim, com apenas 01 ano de trabalho, não teria a mínima condição de participar de um CBCCE, e sequer deveria ter sido inscrito na prova. Só para comprovarmos tal afirmação, lembramos que, em 1971 e 1974, apenas 07 (sete) conjuntos chegaram a realizar a prova de salto.



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